16 agosto 2007

ALCA, MERCOSUL OU SOZINHO NO JAÓ?

Afinal, é interessante o Brasil participar dessas associações? Antes de discutirmos a questão dos blocos econômicos, devemos entender os princípios que justificam sua existência. Não é preciso ser um iniciado em economia ou mesmo conhecer economês. A organização em blocos é puramente uma questão de estratégia de sobrevivência. Trata-se do fundamento básico da competição: “a união faz a força”. Em outras palavras, a associação em blocos econômicos busca a troca de benefícios entre nações com aparentes interesses congruentes. E é justamente nesse ponto – interesses congruentes –, que começam os problemas. Enquanto as discussões estão no enlevo da irmandade dos povos, tudo é possível e a construção de um grupo forte com poder de barganha nas negociações internacionais e facilidades entre os associados, parece apenas uma questão de “quando começamos?”. Mas, quando entramos na esfera das relações comerciais cada um dos “hermanos” olha apenas para seus próprios interesses, levantando barreiras aduaneiras independente dos prejuízos que causem aos seus parceiros. Casos recentes, e não são poucos, envolvendo produtos brasileiros na vizinha Argentina, ilustram bem essa questão. A maior competitividade da indústria brasileira, ameaça a produção, ou mesmo a sobrevivência dos correlatos “hermanos”.
Na verdade a diversidade, e não os interesses congruentes dão o tom das negociações do Mercosul (Mercado Comum do Sul do qual participam Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina) e da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). A economia americana é 10 vezes maior que a brasileira que é 2 vezes maior que a argentina. Isso em termos de produto total. Imagine o tráfico de mão-de-obra entre economias em franco crescimento, e consequentemente ofertantes de oportunidades, em comparação com economias estagnadas e que desafortunadamente continuam a apresentar taxas de crescimento populacional acima do desejável. Países com taxa de crescimento populacional maior do que taxas de crescimento econômico, são fortes candidatos à exportação de pobreza e, portanto grandes obstáculos à concretização de blocos econômicos integrais. Esse é o caso da América Latina em geral.
O discurso é mais confortável de cima da posição norte-americana no caso do ALCA, ou mesmo do Brasil no caso do Mercosul. É evidentemente mais fácil ao mais forte dizer ao mais fraco que ele, o mais fraco, deve abrir mão de ganhos localizados no curto prazo, em favor de ganhos gerais no longo prazo. Ou seja, admitir que algumas indústrias percam no curto prazo em favor de ganhos para toda a economia no longo prazo. Ora, não é muito difícil entender isso. Os americanos ganham, com a queda das barreiras alfandegárias, acesso a um mercado (sem necessariamente abrir o seu para o couro, o aço ou a laranja brasileira, por exemplo – isso uma distorção do conceito de bloco) e sem sofrer grandes ameaças de produtos argentinos, brasileiros, uruguaios etc. que não têm competitividade em relação à produtos americano. De nossa parte, acontece algo semelhante, mas em menor proporção, em relação às outras nações no Mercosul.
Não me parece razoável, entretanto, esperar do empresariado de uma maneira geral, atitudes altruístas voluntárias em nome da coletividade.
Como então a Europa atingiu a fase de união econômica e nós estamos rateando ainda na formulação de políticas para o Mercosul ou ALCA? Em primeiro lugar, devemos analisar a estabilidade político-econômica de cada grupo envolvido. Digo estabilidade político-econômica, pois são interdependentes e, portanto não-hierarquizáveis. Nesse quesito a Europa apresenta inquestionável vantagem tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo. Com exceção dos mais recentes sócios incorporados à União Européia – UE –, a homogeneidade é mais facilmente encontrada entre as nações do grupo. O que a deixa em confortável situação para trocas mais equilibradas e com menores chances de ameaça às indústrias locais específicas.
Em segundo lugar há que se fazer um planejamento consistente e rígido em seus fundamentos, mas flexível e dinâmico em sua amplitude. Quero dizer com isso, que os objetivos devem ser firmes e claros, mas as regras gerais devem conter, diante de toda a diversidade que envolvem, instrumentos que viabilizem questões pontuais. Mais uma vez, a maior homogeneidade européia favorece a concretização de um plano que exige de partida, uma menor gama de soluções de conflitos político-sociais. Porém, também não estão livres de problemas sérios e de solução complexa. Vejam os problemas dos distúrbios nas ruas de Paris, causando grande preocupação em toda a Europa.
A integração econômica entre países, passa basicamente por cinco etapas. Na primeira etapa é criada a Zona de Livre Comércio, na qual os países sócios eliminam barreiras sobre comércio recíproco, mas matêm políticas comerciais independentes em relação aos demais; na segunda a União Aduaneira, que incorpora questões para uma política comercial uniforme; na terceira etapa estabelece-se o Mercado Comum, que acrescenta às fases anteriores o livre movimento de fatores de produção (capital e mão-de-obra); na quarta etapa temos a União Econômica, que inclui a harmonização de algumas políticas e finalmente na quinta e última fase concretiza-se a Integração Econômica Total, que harmoniza todas as políticas envolvidas no processo.
Temos então um paradoxo. Se o objetivo da criação de um bloco econômico visa à união de forças, com capacitações específicas de cada nação, para que haja a troca de know-how, livre fluxo de recursos e o respectivo desenvolvimento da homogeneidade estrutural de cada economia. Como podemos lidar com posturas protecionistas geradas por embaçadas visões de curto prazo? Como pode o um governo fraco suportar pressões internas de setores prejudicados por maior competitividade de empresas ou produtos estrangeiros? Então, a organização em blocos é interessante ao Brasil, e acima de tudo é possível, ou apenas um sonho na América Latina? A resposta é sim para ambas as perguntas. Mas, é preciso que as Chancelarias de cada país consigam envolver e representar, de forma efetiva, suas entidades produtivas. E acima de tudo, que os paises do cone sul, sejam capazes de suportar a tentação a convites para negociações paralelas com os americanos (a quem não interessa o Mercosul).
O Brasil é um gigante dentro do Mercosul, e você há de concordar que conviver com um gigante traz algumas preocupações para os nossos vizinhos. Veja alguns números do FMI referentes à 2003, que expressam nossa importância dentro do bloco:
o O Brasil tem 78,9% dos habitantes do bloco;
o 77,4% do produto total;
o 64,2% das transações comerciais do bloco;
o 31,5% de nossas exportações para o bloco são de veículos e bens de capital;
o 36,2% de nossas importações do bloco são de cereais e combustíveis.
Note que o perfil de nossas transações também nos é favorável, uma vez que exportamos bens de grande valor agregado e importamos commodities.
Nossa Balança Comercial com o resto do mundo está assim dividida:
EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES
Mercosul 20% 27%
NAFTA 23,3% 20,3%
União Européia 21,8% 21,3
Outros países 34,9% 31,4%
Não é inteligente criticar o acesso a novos mercados, circulação de fatores produtivos e principalmente a troca de know-how. A visão curta e embaçada do protecionismo já nos deu (lembram da lei de proteção à informática?) uma boa noção do que acontece quando nos “fechamos em copas”.
Não vamos, entretanto, fazer as coisas de forma afoita e atabalhoada. Há que se traçar objetivos claros e planejar processos. Mas, não vamos nos esquecer do caminho até aqui percorrido e de suas duras lições.
A “protegida” indústria local se deita sobre seu mercado e pára no tempo. Vocês se lembram quando vinham te avisar animadíssimos: “Você viu o novo fusca? É verde!”

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