19 setembro 2006

Eu não acredito no Lobo Mau

O Conselho de Política Monetária – COPOM – continua míope em sua abordagem ao atrelar a questão dos juros indecentes ao controle da inflação. Digo míope porque não parece preocupado com os efeitos colaterais desse já amargo remédio. O míope não enxerga longe, ou pelo menos com clareza. E assim também é a visão desses senhores. Muito embora haja consenso entre os economistas, e acreditem isso não é fácil, de que existe uma relação direta entre crescimento e inflação (pelo menos em economias oligopolizadas como a brasileira). Não existe o mesmo consenso sobre o quanto de inflação é desejável, uma vez que ela é companheira fiel do crescimento. O que seria, é verdade, uma teoria administrativa de inflação.
Temos que retornar aos bancos escolares e lembrar que essa inflação atrelada ao crescimento é resultado da incapacidade da oferta atender ao crescimento da demanda. Em outras palavras, o aumento dos preços ocorre porque há maior procura do que oferta de bens e serviços. E isso se dá por que a capacidade instalada já está em pleno emprego. Ou seja, somente novos investimentos em capacidade produtiva poderiam aumentá-la, e isso não acontece instantaneamente.
Vejam que temos uma situação curiosa. O COPOM mantém os juros altos, para reter a demanda (inflação), os juros altos atraem o capital para o investimento especulativo e não para o investimento produtivo (que aumentaria a capacidade de produção). Paralelamente temos uma queda na Rentabilidade Industrial de 13,9% para 10% em relação ao Patrimônio Líquido (junho-05/junho-06 sem Petrobrás). O Emprego Industrial Formal permanece em queda de 0,5% e a Produtividade Industrial já apresenta perda de fôlego, dando sinais de dificuldade para qualquer proposta de crescimento no curto prazo.
A Taxa Real de Investimento Fixo que aponta para um patamar estacionário de 17,6% do PIB é a pior das últimas seis décadas e pode ser explicada pelo preço relativo do investimento fixo que vem crescendo desde 1999.
O país precisa crescer, a população está crescendo. Uma situação de crescimento econômico menor do que crescimento populacional pode resultar em distribuição de pobreza.
Estamos promovendo a maior transferência de recursos do setor produtivo para o setor especulativo da face da terra! Os bancos agradecem.
Também não é possível entender a opção de manutenção de gastos governamentais em níveis sem precedentes, em detrimento do crescimento nacional às custas da demanda privada. O gasto governamental é um poderoso agente de demanda. Ou melhor, o governo é responsável pela maior parte da demanda que o COPOM diz querer refrear. Mesmo se aceitássemos a idéia extrema de que deveríamos levantar um totem à moeda estável (sem inflação), teríamos ainda assim o discernimento de que nos é possível viver em regime de instabilidade monetária (inflação) e emprego, mas não com estabilidade monetária e desemprego. Assim, o cerne da questão é o emprego e esse é função direta da produção. Se a demanda por emprego cresce juntamente com a entrada de jovens no mercado de trabalho, então o crescimento é uma questão fundamental para um país com as características de crescimento demográfico do Brasil.
Por outro lado, quando não encontramos explicações técnicas para um fato, que não sejam motivações políticas, devemos perguntar a quem interessa o status quo.
Na verdade, quase tudo é explicável, mas nem tudo é justificável. “Os juros estão altos, para segurar a inflação”. Parece uma boa explicação, mas não é justificável. Especialistas do mercado financeiro explicando na TV o porquê das altas taxas de juros, me parece a mesma coisa que o Lobo Mau explicando para o Chapeuzinho Vermelho porque ela deve ir visitar a vovozinha pela floresta. Na verdade, o COPOM foi capturado (termo técnico que significa que o órgão regulador não é mais capaz de regular o mercado e sim o contrário) pelo medo de passar ao mercado qualquer tipo de informação que sinalize mudança de rumo. Importa mais, o cliente principal – o mercado financeiro – que o cliente secundário – o país. Fomos escravizados pelo mercado financeiro, e seus feitores estão infiltrados onde lhes interessa.

19 junho 2006

MODELO DE CRESCIMENTO ECONÔMICO

Em 1989, no auge dos governos Reagan e Tatcher, reuniram-se em Washington, convocados pelo Istitute for International Economics, diversos economistas latino-americanos, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O que ficou conhecido como o Consenso de Washington, teria inicialmente, um caráter acadêmico, mas, acabaou tornando-se o receituário imposto pelas agências internacionais aos países que quisessem empréstimos. Dessa forma, FMI e demais agências incrementaram a monitoração – nome politicamente correto para uma ação politicamente incorreta de ingerência nos assuntos internos dos países pobres – das alterações “modernizadoras”.
Mas, como explicar, que as economias que seguiram esse receituário mágico, notadamente América Latina e África Subsaariana tiveram crescimento pífio em comparação à Coréia, China e Índia que adotaram modelos frontalmente diferentes?
Na verdade, o Consenso de Washington faz parte de um conjunto de reformas neoliberais que está centrado doutrinariamente na desregulação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do papel do Estado na economia. Infelizmente, essa proposta faz sentido para economias maduras onde o estado de bem-estar está devidamente concretizado e não onde os direitos sociais e a distribuição de renda são contos de fadas. Onde o Estado não tem servido historicamente aos interesses das classes dominantes.
O aumento do desemprego e a queda do rendimento real médio brasileiro é o maior dos últimos 15 anos. Tal fato, além das sérias repercussões na indústria e na economia (retração do mercado consumidor nacional), trazem em seu bojo o sentimento de “fim do sonho” de um governo de base popular que governa para o povo. Poderíamos falar ainda do baixo crescimento, do câmbio pouco competitivo e volátil, do crédito escasso e caro, da vulnerabilidade externa e da baixa taxa de investimentos. Mas, seria uma abordagem apocalíptica demais...
Enterrado o mercado nacional, só nos resta o mercado internacional. O ano de 2003 foi pródigo no setor externo. Foi realmente expressivo o ajuste realizado pela economia brasileira nos últimos dois anos. A conta corrente do balanço de pagamentos registrou saldo de 0,8% do PIB, contra um déficit de 1,7% em 2002 e 4,6%, também negativo, em 2001.
Esses resultados ainda não se traduziram de forma significativa nas reservas internacionais e na dívida externa. As reservas internacionais líquidas continuam na faixa dos US$ 21 bilhões e a dívida externa de US$ 220 bilhões representa 44,8% do PIB e 307% das exportações. Assim, só o pagamento de juros da dívida externa brasileira consomem 20% das exportações. O que é um percentual duas a três vezes maior do que o da maioria dos países emergentes. E é essa vulnerabilidade externa que não nos deixa outra saída além das exportações.
Com a safra de grãos que era a grande aposta, prejudicada pelas chuvas, teremos que voltar nossas expectativas a outros setores. A indústria brasileira como um todo está em recuperação, mas um segmento que tem peso elevado na indústria em todas as regiões do país e é grande empregador – que produz bens de consumo semiduráveis e não duráveis (alimentos, vestuário, utensílios domésticos, mobiliários, etc) – ainda se encontra em recessão. Isso vem ditando a lentidão e os tropeços da produção industrial. A recessão que permeia a economia, gera desemprego, que gera queda de consumo que gera queda de produção que gera desemprego.
Este círculo vicioso pode ser rompido, e não precisamos ressuscitar Keynes para isso. É necessário que os segmentos que vem liderando a recuperação, bens de capital e bens de consumo duráveis, cresçam com maior intensidade do que o que vem ocorrendo e que o emprego seja impulsionado por políticas dedicadas. Não necessariamente políticas macroeconômicas de juros, câmbio e fiscal. Parece que o Brasil perdeu a capacidade de pensar políticas pontuais. Que tal entender o programa “moderfrota” da agricultura para a indústria com o programa “moder-máquina” e potencializar o crescimento do setor de bens de capital? O que dizer de uma redução significativa no spread bancário? O Banco do Brasil e a Caixa Econômica podiam dar a partida, e o exemplo! A taxa Selic está em 16,25% ao ano, mas, o cidadão comum desconhece essa grandeza um vez que paga juros dez vezes maiores que isso. Ou ainda um programa decente de habitação popular para estancar a forte retração do setor que mais emprega no país?