19 março 2005

BRASIL E POBREZA

Na Copa do Mundo de 1970 catávamos: “90 milhões em ação, salve a seleção!”. Hoje rezamos: “86,5 milhões de pobres, salvem o Brasil” – Não dá rima nem traz alegria!

“O IPEA divulgou recentemente que o Brasil é o penúltimo país em distribuição de renda, perdendo apenas para Serra Leoa”. Em tempo, você sabe onde fica Serra Leoa? Não se preocupem provavelmente eles também não sabem onde fica o Brasil. Serra Leoa, só para termos um referencial, tem apenas 4,4 de habitantes, vive da agricultura de subsistência e da mineração. É composta por aproximadamente 20 etnias distintas. E é esse o único país que perde para o Brasil em questão de distribuição de renda!
Mas, vamos aos fatos. Existe surpresa nos números divulgados pelo IPEA? O que fizemos para isso?
Em primeiro lugar vamos ver o que é Distribuição de Renda. Nosso querido amigo e colega Profº. Paulo Sandroni define em seu excelente Dicionário de Economia como: “...o conceito que se refere à distribuição diferenciada da renda de um determinado país ou região pelas diversas camadas sociais.” Assim, podemos entender que quando o IPEA fala que o Brasil é o penúltimo pior país em distribuição de renda, ele está sinalizando um enorme problema sócio-econômico.
Em segundo lugar, não podemos esquecer que o sistema capitalista é por natureza um modelo de acumulação de renda. É preciso cuidado então, ao se interpretar os ideais do neo-liberarismo. Quando se fala em livre mercado, em Estado mínimo, não se está falando de “seja o que Deus quiser”, lei do mais forte, capitalismo selvagem ou não-Estado. Mas, de uma menor intervenção, de um Estado não-competidor com a iniciativa privada e focado em questões de interesse ao bem-estar da população de uma maneira geral. O problema é que temos hoje um Estado se agigantando, cada vez mais moroso (é óbvio) e caro. Em outras palavras: um exemplo típico de ineficiência alocativa. As conseqüências disso são diversas, mas vamos nos concentrar na distribuição de riqueza.
Conforme os números do IPEA, os 1% mais ricos, que correspondem a apenas 1,7 milhões de brasileiros, detêm 13% da renda nacional. Enquanto que 50%, que correspondem a 86,5 milhões de pessoas, detêm 13,3% da renda nacional. Ou seja, 1% da população tem a mesma riqueza que a soma de toda a riqueza acumulada por metade dos brasileiros. Vale destacar que o critério escolhido para a determinação de pobreza foi todo aquele que recebe menos do que meio salário mínimo por mês. Talvez essa seja a pior notícia – o governo considera quem recebe um salário mínimo uma pessoa livre da pobreza!!!
Outro número alarmante, para não dizer assustador é o fato convivermos com 21,9 milhões de indigentes. Que segundo o Instituto são aqueles que recebem menos do que 1/4 de salário mínimo por mês.
Sabemos de que forma essa questão preocupa os diretamente afetados, mas e quanto aos restantes, o que eles têm com isso? De que forma isso deve preocupá-los? Ora meu caro Watson, você tem 86,5 milhões de miseráveis em seu jardim, se não for pelas questões óbvias de humanidade, moral e fraternidade, que seja (sinto muito por você se for esse o seu caso) por sobrevivência. Você não tem sustentabilidade em uma nação assim.
Vamos lembrar ainda, que do total de municípios que perdem a merenda escolar por falta de prestação de contas (sic), 91,86% estão entre os mais pobres do país. O que significa isso? Que na pobreza e na dificuldade, prospera o empobrecimento geral e a Lei de Gerson. Temos hoje cerca de 6,6 milhões de brasileiros vivendo em favelas. Como diz a sabedoria popular: Dinheiro chama dinheiro, pobreza...
Todos nós sabemos o que devemos prover para que nossos filhos tenham maiores chances sucesso em suas vidas – educação. Partimos assim, em busca dos melhores colégios, com os melhores professores e compramos os melhores livros que nossos orçamentos, depois de tudo isso, nos permitem. Não adianta apenas dar-lhes o peixe (Fome Zero), é preciso ensinar-lhes a pescar! No Brasil do Espetáculo do Crescimento, 20% dos brasileiros com mais de 40 anos são analfabetos, 55% dos alunos na 4ª série apresentam estágio crítico em português e 51,6% em matemática. Como podemos então, ficar surpresos com o andar da carruagem, se nossos professores são pessimamente remunerados, despreparados e nada valorizados? Você recomendaria ou ficaria tranqüilo ou feliz se seu filho dissesse que queria ser professor do ensino fundamental? Essa é a base do crescimento de nossa sociedade. O que está realmente sendo feito nesse sentido? A Coréia, um dos gigantes do crescimento econômico, que vinte anos atrás só aparecia em filme de James Bond como um lugar em que as pessoas viviam em canoas, fumavam muito e usavam facões na cintura, fez a opção pelo investimento estatal maciço no ensino fundamental gratuito. A universidade quem quiser paga e paga caro. Segundo pesquisas recentes divulgadas na revista Isto É dessa semana, os brasileiros que vivem de forma ilegal nos EUA, dizem se sentir mais cidadãos lá, mesmo na ilegalidade, do que aqui.
Ok, optamos por sustentar o ensino superior gratuito em escala razoável. Mas, por questões estruturais de nosso ensino, quem acaba entrando para as universidades públicas são os alunos das escolas particulares que remuneram melhor seus professores e, por conseguinte conseguem atrair os mais bem preparados. Além é claro, de que os alunos mais pobres acabam duplamente prejudicados por não conseguirem se dedicar aos estudos, uma vez que necessitam auxiliar nas despesas de casa. Subsidiamos, nós a sociedade, os estudos de jovens que em sua maioria não precisariam dessa ajuda. O regime de cotas resolve isso? Não acredito, parece apenas um paliativo. Existe solução? Não sei dizer, mas podemos mitigar grande parte dos problemas apenas usando um pouco de criatividade e pouquíssimos recursos. Por exemplo: Já que a sociedade subsidia esses estudantes durante seus estudos, por que não fazê-los retribuir esse incentivo? Muito simples: Estudou medicina de graça – retribua com serviços médicos em hospitais públicos depois de formado por determinado período e não como residentes estagiando em nossas barrigas. Estudou advocacia de graça – advogue gratuitamente para clientes de baixa renda. O que isso representa realmente? Distribuição de renda. O Estado provê, mais e melhor bens e serviços sociais. Quanto você destina de seu orçamento à educação de seus filhos? O Brasil, está na Constituição, apenas 2,5%.
Em terceiro lugar, desculpem, vou falar dos juros novamente. Quem ganha com os juros altos, o assalariado que “sobra dia no salário mensal” e nem sonha em investir, ou os grandes especuladores, sobretudo os estrangeiros uma vez que não fazemos controle de capital? Esse fundamento da teoria monetária controlado pela caneta do nosso Ministro Presidente do Banco Central, ajuda no curto prazo, a nos aproximarmos mais de Serra Leoa do que de paraísos fantasticamente melhores como o México. Lembra daquela turma de sombrero, dos filmes antigos de cowboy? Pois é, “passaram pela gente de passagem”!
A concentração de renda que coroe a nossa sociedade, não é um problema de curto prazo. O Brasil não é um barquinho qualquer, no qual a simples troca de timoneiro, ou da cor de sua camisa, possibilite a tomada rápida de novos rumos. Isso ou é discurso hipócrita ou ingenuidade. Há que haver planejamento. Mas, um planejamento que transcenda mandatos e interesses de ocasião. Não construiremos uma nação digna para nossos filhos esperando que o governo resolva todos os problemas sozinhos. É preciso esforço integrado de toda a sociedade, com quebras de paradigmas e vontade política para a concretização de um país melhor para todos. Mas o governo não pode atrapalhar (tributar sofregamente)!

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